Posicionamento da Sociedade Catarinense de Pediatria sobre o Nascimento Extra-hospitalar

Tendo em vista o aumento do número de nascimentos planejados em ambiente extra-hospitalar, seja no domicílio ou em Centros de Parto Normal, e considerando sua finalidade de promover a saúde de crianças e adolescentes, a Sociedade Catarinense de Pediatria (SCP) manifesta seu posicionamento sobre o assunto, fundamentada nos aspectos listados e descritos abaixo.

1. Acerca do risco associado ao processo do nascimento

– As gestações consideradas de risco habitual não são isentas de risco e também estão sujeitas a complicações tais como descolamento prematuro de placenta, hemorragias, rotura uterina, acidentes vasculares, embolia amniótica, anafilaxias, dentre outras, que colocam em risco a vida e a saúde materna e do recém-nascido. Desta forma, existe um risco inerente a todas as gestações.

– A maior parte dos óbitos maternos ocorre durante o trabalho de parto, parto e nas primeiras 24 horas pós-parto, sendo o diagnóstico e tratamento precoce fundamentais para a diminuição da taxa de mortalidade materna.

– A monitorização rigorosa do trabalho de parto, a assistência adequada ao parto e a reanimação do recém-nascido ao nascer, realizadas por profissionais capacitados, são importantes estratégias para a diminuição da mortalidade infantil decorrentes de causas potencialmente evitáveis. Estima-se que o atendimento ao parto por profissionais de saúde habilitados possa reduzir em 20 a 30% as taxas de mortalidade neonatal, enquanto o emprego de técnicas de reanimação imediatas e efetivas resulte em diminuição adicional de 5 a 20% nessas taxas, levando à redução de até 45% das mortes neonatais por asfixia.

– Mesmo quando nenhum risco é identificado na gestação, 1 em cada 10 recém-nascidos necessita ajuda para iniciar a respiração; 1 em cada 100 precisa de intubação traqueal; e 1 a 2 em cada 1.000 requer intubação traqueal e massagem cardíaca e/ou medicações (Pediatr Adolesc Med, 1995; J Perinatol, 2007; Resuscitation, 2012).

– A respiração precisa ser iniciada nos primeiros 60 segundos de vida, o chamado “Minuto de Ouro”. O risco de morte ou lesão cerebral aumenta em 16% a cada 30 segundos de demora para iniciar a ventilação após o nascimento, independente do peso ao nascer, da idade gestacional ou de complicações na gravidez ou no parto (Resuscitation, 2012; BJOG, 2015). Por isso, é fundamental que os procedimentos de reanimação neonatal sejam iniciados de forma imediata, por profissionais com conhecimento, treinamento, habilidade e experiência.

– No Brasil, de 2005 a 2010, as causas associadas à asfixia perinatal foram responsáveis por 5 a 6 mortes neonatais precoces por dia em recém-nascidos de baixo risco, com peso ao nascer maior ou igual a 2.500 gramas e sem malformações congênitas (J Pediatr (Rio J), 2017).

2. Acerca do risco associado ao local de nascimento

– O local do nascimento exige os seguintes pré-requisitos de segurança: materiais e equipamentos adequados; equipe treinada, experiente e com formação reconhecida para o atendimento da mãe e do recém-nascido; e, capacidade de resolução imediata das situações de emergência relacionadas à mãe e ao recém-nascido (Portaria MS Nº 930, de 10/05/12; Diretrizes de reanimação neonatal, SBP, 2016).

– Evidências científicas apontam o local do nascimento como fator determinante para os resultados perinatais. Na Holanda, em nascimentos de baixo risco extra-hospitalares, a mortalidade perinatal foi 3,6 vezes maior e a necessidade de internação em UTI neonatal 2,6 vezes maior, em comparação a nascimentos de alto risco hospitalares (BMJ, 2010). Nos Estados Unidos, a mortalidade perinatal foi 2,4 vezes maior e a as convulsões neonatais foram mais freqüentes nos partos planejados extra-hospitalares, quando comparado com partos hospitalares (NEJM, 2015). Outro estudo americano avaliou os desfechos neonatais de acordo com o local do parto e constatou que a frequência de Apgar zero no 5º minuto de vida e de dano neurológico foi 3,5 e 2 vezes maior, respectivamente, nos nascimentos ocorridos em centros de parto normal extra-hospitalares quando comparados com os hospitalares (Am J Obstet Gynecol, 2014).

– A Sociedade Brasileira de Pediatria, a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e o Conselho Federal de Medicina recomendam que o nascimento ocorra em ambiente hospitalar, como forma de garantir segurança ao processo do nascimento (Documento Científico Nascimento Seguro, SBP, 2018; FEBRASGO, 08/08/2018; Recomendação CFM 01/2012).

– Santa Catarina é motivo de orgulho por possuir a menor taxa de mortalidade neonatal e infantil do Brasil e não pode investir em estratégias que coloquem em risco esses indicadores de saúde.

3. Acerca do transporte seguro

– Situações maternas e neonatais graves poderiam ser evitadas se o trabalho de parto ocorresse no ambiente hospitalar, onde estão disponíveis meios de monitorização e intervenção médica imediata.

– O tempo de transporte entre a instituição de origem e a de destino é decisivo para o prognóstico materno e neonatal. Dentre outros fatores, a duração do transporte depende das condições de trânsito, que tem se mostrado problemática em Florianópolis.

– Pacientes com risco de vida não podem ser removidos sem a prévia realização de diagnóstico médico, com obrigatória avaliação e estabilização respiratória e hemodinâmica, além da realização de outras medidas urgentes e específicas para cada caso (Resolução CFM nº 1.672/2003). É de fundamental importância prognóstica a estabilização clínica do recém-nascido antes do início do transporte (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2017).

– O transporte neonatal é considerado de alto risco, requer a presença de médico e deverá ser realizado em ambulância do tipo D, aeronave ou nave contendo: a) incubadora de transporte de recém-nascido com bateria e ligação à tomada do veículo (12 volts), suporte em seu próprio pedestal para cilindro de oxigênio e ar comprimido, controle de temperatura com alarme, e apoiada sobre carros com rodas devidamente fixadas quando dentro da ambulância; b) respirador de transporte neonatal; c) nos demais itens deve conter a mesma aparelhagem e medicamentos de suporte avançado, com os tamanhos e especificações adequadas ao uso neonatal (Resolução CFM nº 1.672/2003).

– O transporte neonatal é complexo e de alto custo.

4. Acerca dos direitos do binômio mãe/filho

– A gestante tem direito a acompanhamento especializado durante a gravidez, assegurado pela Lei no 9.263, de 1996, que determina que as instâncias do Sistema Único de Saúde (SUS) tem a obrigação de garantir, em toda a sua rede de serviços, programa de atenção integral à saúde, em todos os seus ciclos vitais, que inclua, como atividades básicas, a assistência à concepção e contracepção, o atendimento pré-natal e a assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato.

– Segundo o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o parto normal é o mais aconselhado e seguro, devendo ser disponibilizados todos os recursos para que ele aconteça.

– A Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal estabelece princípios e diretrizes para a estruturação da Política de Atenção Obstétrica e Neonatal dentre os quais: toda gestante tem direito ao acesso a atendimento digno e de qualidade no decorrer da gestação, parto e puerpério; toda gestante tem direito à assistência ao parto e ao puerpério e que essa seja realizada de forma humanizada e segura; todo recém-nascido tem direito à assistência neonatal de forma humanizada e segura; toda mulher e recém-nascido em situação de intercorrência obstétrica e neonatal têm direito a atendimento adequado e seguro (Portaria MS no 1.067/2005).

– A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência (ECA, artigo 7).

5. Acerca da Resolução no 193/2019 do Conselho Regional de Medicina do Estado de Santa Catarina:

– Dispõe sobre a proibição da participação do médico em partos fora do ambiente hospitalar; dispõe sobre a proibição de adesão, por parte de médicos, a quaisquer documentos, incluindo o plano de parto ou similares, que restrinjam a autonomia médica na tomada de medidas para preservar o binômio materno-fetal.

Desta forma, e com base no exposto acima, a SCP manifesta-se contrária a qualquer nascimento extra-hospitalar planejado, independente de ocorrer no domicílio ou em Centro de Parto Normal.

O nascimento seguro e um início de vida saudável são o coração do capital humano e do progresso econômico de um País.” (Lancet, 2014)